A menina avoada
Foi na fazenda de meu pai antigamente.
Eu teria dois anos; meu irmão, nove.
Meu irmão pregava no caixote
duas rodas de lata de goiabada.
A gente ia viajar.
As rodas ficavam cambaias debaixo do caixote:
Uma olhava para a outra.
Na hora de caminhar
as rodas se abriam para o lado de fora.
De forma que o carro se arrastava no chão
Eu ia pousada dentro do caixote
com as perninhas encolhidas.
Imitava estar viajando.
Meu irmão puxava o caixote
por uma corda de embira.
Mas o carro era diz-que puxado por dois bois.
Eu comandava os bois:
— Puxa, Maravilha!
— Avança, Redomão!
Meu irmão falava
que eu tomasse cuidado
porque Redomão era coiceiro.
As cigarras derretiam a tarde com seus cantos.
Meu irmão desejava alcançar logo a cidade —
Porque ele tinha uma namorada lá.
A namorada do meu irmão dava febre no corpo dele.
Isso ele contava.
No caminho, antes, a gente precisava
de atravessar um rio inventado.
Na travessia o carro afundou
e os bois morreram afogados.
Eu não morri porque o rio era inventado.
Sempre a gente só chegava no fim do quintal.
E meu irmão nunca via a namorada dele —
Que diz-que dava febre em seu corpo.
BARROS, Manoel de. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010. p. 470-471.
Infância
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.
No meio-dia brando de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso café bom
Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
— Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
ANDRADE, Carlos Drummond. Poesia e prosa em um volume. Rio de Janeiro:Noiva Aguilar, 1988. p. 5.
Que semelhança é possível identificar entre esse poema e o poema “Infância” de Drummond quanto:
a) ao tipo de poema e ao tema?
Ambos são poemas narrativos, ou seja, contam uma história em versos e tratam do mesmo tem: a infância.
b) à forma e às características estruturais do gênero?
Ambos são estruturados em versos e estrofes, as quais não apresentam os mesmos números de versos. Em ambos, podem ser identificados os acontecimentos que são narrados, um eu lírico, personagens, o espaço onde se passam as situações e a identificação do tempo.
c) à pessoa que narra os fatos (1ª- ou 3ª- pessoa)?
Ambos são narrados em 1ª- pessoa, indicando que os fatos ocorrem com o próprio eu lírico.
d) ao momento em que o ambiente em que se passa a história é citado?
Ambos citam os ambientes logo no início do poema.
e) à ocorrência de rimas?
O poema de Drummond apresenta rimas apenas entre dois versos. O poema de Manoel de Barros não apresenta rimas.
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