Leia o poema a seguir, da escritora Lubi Prates.
condição: imigrante
1.
desde que cheguei
um cão me segue
&
mesmo que haja quilômetros
mesmo que haja obstáculos
entre nós
sinto seu hálito quente
no meu pescoço.
desde que cheguei
um cão me segue
&
não me deixa
frequentar os lugares badalados
não me deixa
usar um dialeto diferente do que há aqui
guardei minhas gírias no fundo da mala
ele rosna.
desde que cheguei
um cão me segue
&
esse cão, eu apelidei de
imigração.
2.
um país que te rosna
uma cidade que te rosna
ruas que te rosnam:
como um cão selvagem
esqueça aquela ideia
infantil aquela lembrança
infantil
de sua mão afagando um cão
de sua mão afagando
seu próprio cão
ficou em outro país
ironicamente, porque a raiva lá
não é controlada
aqui, tampouco:
um país que te rosna
uma cidade que te rosna
ruas que te rosnam:
como um cão
: selvagem.
PRATES, Lubi. Um corpo negro. 2. ed. São Paulo: Nosotros, 2019.
Muitas vezes, ao ler um poema, temos de ir além das palavras e estabelecer reflexões importantes sobre o mundo e até mesmo sobre nosso comportamento diante de determinadas situações.
1. Para começar, observe que todo o poema, incluindo o título, tem como base uma figura de linguagem chamada metáfora. Explique como ela está presente no texto.
A metáfora está presente na comparação entre o cão ao qual o eu lírico faz referência e a imigração, pois essa condição, que está sempre perto do imigrante, sempre atrás dele, é a todo momento uma lembrança.
2. No poema, há menção a dois cães: o que segue o eu lírico e o que ele deixou em casa. Por que um dos cães rosna para o interlocutor?
O cão rosna porque o vê como uma ameaça, como um perigo a ser evitado.
3. A zoomorfização (atribuição de características de animais a outros seres) está presente no texto nos versos “um país que te rosna / uma cidade que te rosna / ruas que te rosnam”. Explique o efeito de sentido pretendido por essa comparação inesperada.
A atribuição do ato de rosnar ao país, à cidade e às ruas se deve ao fato de o eu lírico não se sentir bem-vindo quando imigra, apontando para a forma negativa, agressiva e inóspita como os países e seus habitantes recebem os imigrantes.
4. Analisando a sintaxe do poema, observamos a predominância de predicados verbais. Justifique esse predomínio considerando o objetivo da autora.
No texto, há predomínio de predicados verbais, pois o eu lírico busca narrar suas ações e as ações do cão.
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